segunda-feira, 30 de julho de 2007

ARTICULISTAS

DELÍRIO ( Leandro Rodrigues )

Estrondo de avião. Explosão, fumaça e mortes. A imprensa quer culpados. O povo quer soluções. Chuva. Divulgação. Número de mortos. Apresentadores de TV ávidos por audiência. Corpos. Substantivos comuns. Arena Multiuso. Medalhas. Medalhas de bronze, de prata e de ouro. Ouro. Ouro para o bem do Brasil. Podium, lágrimas, bandeira hasteada e o Hino Nacional. O Hino. Arnaldo Antunes grita: “Sou de lugar nenhum”.

Bandeira a meio-pau: luto. Mortos nas estradas. Falha Humana? Técnica? Problemas no asfalto? Falta de escape? Ônibus. Caminhões. Transportadoras. Resgate. Raios fúlgidos. Trilhos vazios. Sucatas. Oficinas de desmanche. Ônibus em chamas. Congestionamentos. Carros importados. Rios nunca navegados. Inavegáveis. Rios grandes. Rio organizado. Rio turbilhão. Portos ricos. Porto Alegre. Casais. Santos-Jundiaí. Terra da garoa. Levei um susto enorme nas asas da Panair. Alta dos combustíveis. Buraco. Metrô. Solução? Rubem Braga escreveu: “Procura-se, e talvez não se queira achar”.

Atletas sem incentivo, mais medalhas. Atletas “Made in Brazil”, festa na torcida. O Cristo é nossa maravilha. Medalha de bronze. Berimbau metalizado. Mendigos. Farrapos. Bolsas. Transeuntes em pânico. Carros nas calçadas. Contramão. São São Paulo. Furtos. Falcões. Rapa. Rap. Rota. Sinais vermelhos. Mais medalhas. Amor e esperança. Trânsito caótico. Desrespeito. Exército. Bandeira. Cartões internacionais. Faixas de segurança. Balas perdidas. Delicadeza perdida.
Procura-se, e talvez não se queira achar...
Internet. Orkut, Blogs e Fotologs. Bate-papos sem papos. Fotos trágicas. Downloads. Bizarrices. Gerundismo. Estrangeirismos. Estréias. Filme americano. Manu Chao. Clandestinos. Desaparecidos. Panamérica. Bolívar. Gás. Gases. Al Gore. Multinacionais. Fumaça verde. Impressionismo. Presente Imperfeito. Paz no futuro. Aquele Abraço. Medalhas. Americanos. O uivo. A vaia. Florão da América. Concurso público. Um Brasil para todos. Saneamento Básico. Sem telas. Sem tetas. Sem terras.Arnaldo: “Nenhuma pátria me pariu”.
Cristo Redentor. Negócios da China. Jogos de xadrez. Manchetes sensacionalistas. Orações subordinadas. Tropicanalhice. Mais um morto. Malvadeza. A Náusea. Lixo nas calçadas. Brasileiros-ianques. Cubanos-brasileiros. Bloqueio. Vôlei. Rio, eu gosto de você. Verbas. Impostos. Postos de gasolina. Hotéis de luxo. Aeroportos. Fome. Bandeiras. Entradas. Homens-peixes. Viadutos. Terminais. Arranha-Céu. Braços fortes. Peças presas. Ingressos caros. Quebra-quebra. Bispos. Xeques. Clava forte. Problemas solucionáveis, sem solução.
Procura-se, e talvez não se queira achar... Inferno. Medalhas. Cristo. Carta. Capital. Provocações. Guanabara. Sorrisos. Falsos sorrisos. Pererê. Filhos ilegítimos. Bois. Argentina. Cambalache. Casa tomada. Prata. Ouro negro. Venezuela. Militares. Lábaro estrelado. Força aérea. Controladores. Descontrole. CPIs. Pedágios. Recessos. Outras mil. Platéia de costas. Classificados. Desclassificação. Ginástica. Ouro. Podium. Torres. Chamas. Medalhas. Crimes. Bancos. Propagandas. Cruzeiros. Lágrimas. Mate. Desordem. Derrida. Globalização. E o Hino.
Pau. Pedra. Caminho. Fim.

Leandro Rodrigues é jornalista, escritor e pesquisador musical. Seu email é leandrodrigues2003@yahoo.com.br




BALCÃO DE QUEIXAS E RECLAMAÇÕES

O principal problema do populismo é que ele substitui o que é de direito pelo que é de favor. Educação, saúde, cultura, habitação e segurança se transformam em prêmios trocados por aceitação e submissão incondicionais. Esta é a crítica corrente em relação ao populismo nos governos, não é certo? Mas as estratégias promocionais de veículos de comunicação têm uma raiz populista também. Programas de televisão como 'Toda tudo por dinheiro', 'Porta das Esperanças' e outros análogos que, com um pouco mais de refinamento estético ainda estão no ar em vários canais, usam exatamente a idéia do favor em vez do direito. São os deficientes físicos que precisam de cadeiras de rodas; os desabrigados que precisam de casas; a criança pobre que precisa de escola.

A televisão, muitas vezes, trabalha com a idéia do favor, perto da mendicância, em vez de ensinar sobre os direitos básicos dos cidadãos e emancipar sua luta por melhores condições de vida. Jornais impressos, principalmente os populares, lançam promoções sem fim para ganhar 'leitores' interessados apenas em um DVD, um faqueiro, um ovo de Páscoa. Grande parte da imprensa ainda usa a lógica (grotesca) cunhada por William Bonner: o leitor/ ouvinte/ telespectador de grandes veículos é o Hommer Simpson.

Tempos mais tarde, o Hommer Simpson - que não tem carro, casa, faqueiro, DVD, cadeira de rodas - descobre que um candidato propõe abrir um restaurante popular, distribuir cheques-cidadão, produzir grandes shows gratuitos. Hommer não hesita em votar neste político. Ele não poderá estabelecer a diferença entre as promoções da TV, as propostas de governos mercenários e os programas de transferência de renda necessários. Mas não é por falta de inteligência de Hommer, a cultura do 'ganhar em troca' se alastrou.

Os meios de comunicação não são uma entidade do além, extra-mundana, que apenas relata de fora o que ocorre no planeta. Eles constroem a realidade diariamente, criam valores, fabricam o consenso e estabelecem os padrões de comportamento de cada época. O populismo que tanto criticam em editoriais (muitas vezes com razão; outras por postura ideológica que não é a minha) é cozinhado também no trato com seu público. Toda vez que um editor decide que 'o povo não vai entender', e elimina uma discussão importante do noticiário, está sendo populista, porque substitui o direito da informação útil pelo favor de um falso benefício (o entretenimento como notícia; o superficial de cada acontecimento).

É a mesma opção dos governos populistas mercenários (nem todo populismo é): a recompensa imediata da base que os suporta, sem os devidos esclarecimentos sobre projeto de país e tudo mais. A imprensa certamente deseja o desenvolvimento econômico, social e político, embora nem sempre pelos mesmos métodos, muito menos para os mesmos fins. Não há um plano maquiavélico de auto-sabotagem coletiva. Mais parece existir uma perda de foco após a crise das ideologias e a profissionalização das redações. O surgimento das empresas jornalísticas colocou ordem nas casas, mas dificultou a resposta para perguntas básicas como: Para onde vamos (como país)? O que queremos? Como faremos?

Se os meios de informação assumirem de vez o caráter de balcão de reclamações e de promoções, no lugar de palco de debates amplos, é possível prever que a relação da população com as demais instituições continuará sendo a de queixa e a de favor. Isso vale principalmente para os impressos, depois de internet e TVs a cabo terem vencido no terreno do hardnews.

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