quinta-feira, 21 de junho de 2007

Articulistas e Poetas da terra...

O SÃO JOÃO DE ANTIGAMENTE

Liberato Póvoa
18/08/2006
Fonte:www.dno.com.br

Há umas semanas, comentei o melancólico fim dos foguetes-de-rabo que pipocaram na minha infância, alegrando as festas, procissões e iluminando as noites fechadas de cidade sem luz elétrica, que Dianópolis aquele tempo era valida pelo querosene e pelos bibianos de flandres que o velho Henrique fazia aproveitando latas vazias.


Outra coisa que morreu por lá foi a fogueira de São João, que animava as noites do santo primo de Jesus.

Na véspera da festa, já começava a animação: a gente ia pro mato, cortava uma árvore de seus cinco metros de altura, preferentemente copada, e, estirada no espaldar de uma cadeira ou num cavalete, era enfeitada com sacos de pipoca, garrafas de vinho, rodas de bolo, roletes de cana e outras prendas, tudo bem amarrado nos galhos. Ali no terreiro diante da casa, cavava-se um buraco e enfincava-se a árvore, ainda de tarde cedo.

À noite, colocava-se lenha em seu derredor, tocava-se fogo, enquanto a molecada esperava ansiosa que o fogo consumisse o caule, até a árvore cair. Como a madeira era verde e demorava-se a consumir-se, a meninada, cá embaixo, já ficava de olho nas guloseimas que iriam pegar, na hora do "avança". Uns, mais impacientes, de vez em quando, saltavam por cima da fogueira e, fazendo do tronco um eixo, rodopiavam, apressando a queda.

Quando a árvore começava a dar motivo de cair, a meninada se empurrava em bloco, acompanhando o movimento do cai-não-cai. E a queda era concomitante com o assalto coletivo, quando a molecada - e eu no meio - aos trancos e barrancos, disputava as prendas, às vezes aos tapas que acabavam quase sempre numa diferençazinha a ser apurada depois.

Para açular ainda mais os ânimos, os mais malandros - tipo Manoel de Joaquininha, Guducha, Generino, Petinha e um senhor de Daltro de Dodô - jogavam bombas cabeça-de-negro e traques no bolo, causando um fumaceiro dos diabos e esmorecendo os mais mofinos. Acabado o saque, partíamos para outra fogueira, pois a queima das fogueiras nunca coincidia horário, para garantir a festa em todas. E o negócio ia até noite alta.

Terminada a queimação das fogueiras, havia outras diversões: assar batata-doce no borralho, carne seca nas brasas e arranjávamos até uma compadragem de São João: punha-se um tição no chão e pronunciava-se uma oração mais ou menos assim, repetindo-se o que o outro dizia:

"Eu juro/ e prometo/
Por S. João/ S. Pedro
São Paulo/ todos os santos/
Da cor do céu/
Que Fulano é meu compadre".

E assim, ficava-se compadre, padrinho, afilhado etc., de acordo com as preferências de cada um. E esse pacto era (e é até hoje) respeitado: tenho um bando de compadres "de São João" e até um padrinho (Otavinho).
Mas a compadragem de São João também servia para resolver situações melindrosas: quando minha mãe era nova, um rapaz de nome Chicada danou a arrastar a asa pro lado dela, doido pra namorar. Mas parece que da parte dela p interesse já nascera morto. E a gentileza de Chicada deixava-a em situação difícil, por receio de magoá-lo. E pra resolver o problema satisfatoriamente, convidou-o para saltar fogo, acompadrando-se no São João. E como compadres ficaram, até hoje. A saltação de fogo resolveu o caso, pois compadre não namora comadre. Ele vive acolá na Bahia, já com a barreira dos oitenta ultrapassada, mas sempre devotando aquele estima à comadre Regina, e para selar ainda mais o pacto de compadrança, estabeleceu que minha irmã Regininha é sua afilhada. E ela o chama de "meu padrinho", com bença e tudo.
Quatro dias depois de São João, repetia-se a festa, com as fogueiras de São Pedro e São Paulo, que eram em menor número. Motivo: só faziam a fogueira as viúvas, que eram impedidas pela tradição (não sei por quê) de fazer a de S. João. Era o repeteco da festa anterior, com avanço dos moleques, estouro de bombas e traques no meio dos avançadores, havendo ocasiões em que sala gente completamente surda dali; ainda me lembro de uma bomba que estourou no pé-do-ouvido de Tonho de Vivina, que o deixou meio besta sem escutar as coisas um bando de tempo.

Agora, de volta a Dianópolis, vendo o asfalto corrido diante das casas, compreendi que as fogueiras haviam sido sepultadas pelo progresso, pois se bem tivessem pensado, haviam deixado pelo menos os buracos para se fincar o pé-de-pau cheio de prendas.






Calote oficial

DÍDIMO HELENO PÓVOA AIRES*
08/10/2006

Fonte: www.dno.com.br

É possível vislumbrar o semblante de desânimo dos que têm crédito com o Poder Público, em virtude de sentença judicial, uma vez que tais dívidas são pagas através dos famigerados precatórios. Como se sabe, o Estado (no sentido amplo da palavra) é o que mais emperra os tribunais do País, contribuindo para abarrotar de processos o Judiciário. É até compreensível que a Fazenda Pública disponha de alguns privilégios legais, como, por exemplo, a contagem de prazo mais elástica. O que não se concebe é a forma (constitucional, diga-se de passagem) que utiliza para honrar seus compromissos.

A Constituição Federal, em seu art. 100, diz que os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal serão feitos exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios, com exceção dos créditos de natureza alimentícia, que podem furar a fila. No Brasil, talvez essa seja a única fila maior do que a do INSS.

A situação do credor de condenação judicial do Poder Público é de dar dó. Como ensina o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, caso seja obedecida a Constituição, o sujeito pode amargar de 18 a 30 meses de espera para ver o seu rico dinheirinho no bolso. E isso – é bom que se repita – se for obedecida a Constituição. Para se comprovar o que afirmo, façamos o seguinte raciocínio: o precatório deve ser apresentado até o dia 1º de julho do ano anterior ao recebimento. Por exemplo, se incluído até a citada data de 2006, o valor a ser pago entrará no orçamento que vai vigorar no ano de 2007. Como sabemos que a Fazenda Pública costuma pagar apenas no apagar das luzes, o credor receberá em dezembro de 2007, ou seja, 18 meses depois. Entretanto, caso o precatório fosse apresentado em 2 de julho (um dia após o prazo constitucional), não entraria no orçamento de 2007, só no de 2008, significando que poderia ser pago até dezembro de 2009, passados “apenas” 30 meses.

O pior de tudo é que o Poder Público, quase sempre, sequer obedece a Constituição, deixando ultrapassar todos os prazos, os quais já são bastante dilatados, como se viu acima. É claro que contra tais abusos há punições previstas, como a intervenção federal nos Estados e a estadual, nos Municípios (arts. 34, V, “a” e 35, I, da CF). Ou, então, o impeachment do Presidente da República (art. 85, VII, da CF). Isso até soa hilário, levando-se em consideração que, se nem mesmo por outras boas e justas razões se cogitou punir o Chefe Maior da Nação, quanto mais por inconstitucionalidade no pagamento de precatórios.

Mesmo assim, são muitos os pedidos de intervenção federal em Estados e estadual, em Municípios. Com tudo isso, responsabilizar um ente da Federação por descumprimento de precatório, como diz Celso Antônio, “tem caráter de ficção. Ou seja: sua existência em muitas partes do País tem uma realidade próxima àquela que se supõe seja a de um saci, de uma iara, de um gnomo ou de uma fada”.

Através da documentação existente na Comissão de Precatórios da OAB de São Paulo, Bahia, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e outros Estados, conforme atesta o jurista antes referido, pode-se constatar o descaso do Poder Público em pagar suas dívidas. Os precatórios trabalhistas do Ceará, por exemplo, não são pagos há 20 anos. Isto mesmo: 20 anos! Não é difícil imaginar que muitos dos credores, nessa altura, morreram sem ver a cor do dinheiro. Mais uma vez, os exemplos que vêm de cima são os piores possíveis. O Brasil, comprovadamente, é um paraíso onde pululam caloteiros, a começar por muitos entes públicos, que oficializaram essa prática.

*
Dídimo Heleno Póvoa Aires – advogado






DIANÓPOLIS EM ASCENSÃO

Péricles José Cândido Póvoa* 15/06/2007

Tudo na vida tem seu tempo e sua hora. Dianópolis, cidade localizada no antigo Norte de Goiás, chamado “corredor da miséria”, foi sempre excluída pelos governantes, que de quatro em quatro anos davam o ar da graça, faziam suas promessas mirabolantes, desapareciam e silenciavam por mais quatro anos. E assim Dianópolis seguia sua vidinha medíocre e sem perspectiva; os jovens saíam em busca de melhores condições de vida e estudo e não mais retornavam; não havia indústrias ou empresas que oferecessem trabalho; comércios fechavam suas portas e residências permaneciam trancadas, por falta de inquilinos. E assim permaneceu por muitos e muitos anos, até que um dia um “anjo da guarda”, filho amoroso desse pedaço de chão, chamado João Rodrigues Leal, em sua primeira oportunidade como funcionário da Câmara Federal no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito, através do então deputado federal João D’ Abreu, trouxe para cá um colégio com curso ginasial, comandado por uma congregação de freiras espanholas e brasileiras, com um respeitado corpo docente, entre os quais o padre João Magalhães Cavalcante, professora Sulamita, Madre Aranzazu e tantos outros.

Com a vinda do Colégio foram implantados novos costumes, novas mentalidades, principalmente com a disposição do jovem e batalhador padre Magalhães, a quem também devemos toda nossa gratidão. Dr. João Leal trouxe água encanada, uma hidroelétrica, correios e telégrafos, uma agencia do BASA e, com sua prestimosa ajuda, também o Instituto de Menores, administrado pelo competente jovem Hagahús Araújo e Silva. Anos se passaram e nossa cidadezinha continuava sem perspectivas, recebendo seus filhos apenas como visitantes em época de férias. Diante de tudo que João Leal proporcionou a Dianópolis, nunca lhe foi prestada uma homenagem, nem reconhecido o seu valor. Candidatou-se a deputado e perdeu dentro de sua própria cidade, para o arraiano José dos Santos Freire. Essa foi a sua recompensa. Como já disse em outras ocasiões, sou contra as homenagens póstumas; pessoas como João Leal deveriam ser homenageadas, prestigiadas e enaltecidas em vida e não após a morte, onde seus olhos não vêem e seu coração não sente a emoção, a felicidade e a alegria do reconhecimento pelo dever cumprido.

Depois desse primeiro incentivo, nossa cidade, que antes andava a passos de tartaruga, pisou no acelerador e partiu rumo ao progresso, com o asfalto que nos ligou a todas as regiões do Brasil; empresas e famílias chegaram de várias partes do país, como nordestinos, gaúchos e paranaenses, que iniciaram o progresso em nossa região. Destacamos a Faculdade que aqui se instalou, para dar melhor instrução aos nossos jovens e ao nosso povo. Destacamos o projeto hidroagrícola Manuel Alves, fruto de um complexo de obras fixas, a partir da barragem feita no rio do mesmo nome. O empreendimento beneficia uma área de cinco mil hectares, disponibilizando os recursos hídricos para usos múltiplos, como foco principal na irrigação que irá gerar inicialmente 2.500 empregos, ou seja, uma população flutuante de mais ou menos dez mil pessoas. Existe em construção seis pequenas centrais hidroelétricas, gerando mais de três mil empregos, de responsabilidade de empresas idôneas, dentre as quais a Toctao Engenharia, de Goiânia, sob a direção de empresários de extrema idoneidade moral, honradez, capacidade administrativa e humanitária, que trabalham com técnicas extremamente qualificadas e responsáveis pelos trabalhos que executam com esmerada perfeição.

É certo que o progresso traz intranqüilidade; os malfeitores procuram sempre as cidades em desenvolvimento para executarem seus intentos. Dianópolis tem sido abençoada por nosso padroeiro São José, talvez pelos grandes sofrimentos dos quais nossos antepassados foram vítimas e a perda de vários chefes de famílias em 1919, sacrificados no tronco covardemente por seus algozes. A violência hoje nos preocupa, mas, por outro lado, sentimos seguros com as autoridades responsáveis por nossa segurança, iniciando pelo Judiciário, sob a responsabilidade de dois magistrados, Ciro Rosa de Oliveira e Jocy Gomes Almeida; temos o Ministério Público que sempre se preocupa com o bem estar da comunidade; temos a Companhia Independente da Policia Militar, comandada pelo capitão Honorato Melo; a polícia civil tem sob sua direção o Dr. Claudemir, jovem delegado regional, receptivo e atencioso a qualquer reclamação da comunidade.

Como disse o poeta Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja”. Em meu último artigo neste Jornal critiquei o senhor Átila Ferreira de Lima. Contudo, após ser convidado para fazer uma visita à Casa de Prisão Provisória, constatei in loco o trabalho bem intencionado e direcionado para a ressocialização de aprisionados. É preciso reconhecer o serviço qualificado que agora vem sendo ali desenvolvido.

O aquecimento do comércio e a melhor qualidade de vida do povo dianopolino são evidentes. Muito nos orgulha o retorno dos nossos filhos, que após concluírem seus cursos superiores contribuem com o progresso nas mais diversas áreas de atuação humana; também nos orgulhamos dos vários escritores que têm divulgado nossa história e nossa cultura, além dos nossos competentes profissionais que atuam na imprensa. Como disse o saudoso presidente Juscelino Kubitschek, “constantemente retorno à minha terra natal para rever os passos que dei e adquirir forças para lutar e trabalhar pelo chão que me viu nascer”.

Diante desse progresso, resta-nos apenas a saudade daquela cidadezinha pacata, calma, sem barulho, onde as crianças garimpavam pepitas de ouro após as chuvas nas enxurradas do meio das ruas esburacadas. Hoje passamos despercebidos no lugar em que nascemos e parece que perdemos a nossa identidade, onde todos conheciam todos. Temos saudade do velho córrego Getúlio, hoje poluído, antes caudaloso e de águas límpidas, onde as lavadeiras, no seu ritual festivo, lavavam suas roupas enquanto a meninada nadava ao sabor da correnteza, como um bando de gaivotas em festival de verão. Mas isso ficou no passado. Restam-nos as recordações, além das fiéis e inabaláveis amizades sinceras dos nossos parentes e amigos. É o preço do progresso.

Assessor da Residência Rodoviária de Dianópolis – Dertins
E-mail: periclespovoa@ibest.com. br

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